Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

quinta-feira, 23 de abril de 2009

nostalgia suburbana

Sem hipocrisia e sem dar uma de pobre menina rica.
Nas últimas semanas entrevistei famílias na Penha, Caxias e Brás de Pina (pra quem não é do Rio, são bairros do subúrbio do Rio). Cheguei a ir lá no alto numa favela na Penha, não resisti a fotografar a vista da laje.


De impressionar qualquer boa alma a desenvoltura com que as vidas se trançam nas vizinhanças suburbanas, nas favelas, que são realmente comunidades no sentido mais real da palavra. Famílias morando em apartamentinhos no mesmo prédio, portas destrancadas, u
m monte de sobrinhos, de sangue e de corredor, entrando e saindo, comendo bolo e tomando coca-cola. As crianças mais velhas levam os bebês no colo enquanto as mães e tias fritam bolinhos de chuva pro lanche, porque tem visita ou porque a vizinha estava com vontade e pediu pra fazer e os maridos se ajudam a montar um armário novo pra cozinha. Cunhadas passam pra dar um abraço e ficam pra comer um pratinho, as panelas não têm fundo pra não faltar almoço pra nenhuma visita que apareça. Prédios quase não se vê, viram ponto de referência. Só casinhas, muito simples, e árvores e pracinhas fofas e aquele céu azul pra todos os lados. As ruas sujas sim, mas tão cheias de vida no colorido das cadeiras de plástico e na simpatia do português do boteco da esquina... A intimidade dos sorrisos e de chamar todo mundo pelo nome enquanto se cruza as ruas desvia a atenção do lixo espalhado pelo chão e da precariedade das construções, assim como as risadas e o carinho escondem as infiltrações. Os móveis baratos conquistados com o suor do trabalho do filho se tornam dignos do mais nobre dos homens e são motivo de tanto orgulho que ninguém tem dor nas costas.

E agora vem a parte nostálgica. Dá muita vontade de ter uma tia, uma avó, uma amiga querida morando lá do outro lado do túnel, de pegar a Brasil pra almoçar com a família no domingo. Aqui desse lado eu não sei nem o nome da minha vizinha de porta, que passa o dia sozinha na janela com jeito de quem tem vontade de relaxar os ombros e se deixar cair no pátio lá embaixo que ela deve ter todos os cantinhos mapeados na memória de tanto olhar. A vida do lado de lá é mais suada, o dinheiro é contado que quase não dá mas acaba dando, as crianças se criam meio que sozinhas mesmo, nos bandos descalços subindo e descendo as ladeiras e sabe lá o que elas não vêem naqueles becos, mas é uma vida mais sincera. Há sonhos sim, e ilusões e delírios de consumo. Mas as relações são tão mais concretas, tão mais extrovertidas... O Flusser diz que quanto mais "evoluído" (no entendimento progressista do homem moderno) o animal, mais inibido. A desinibição suburbana me faz olhar melancólica pra esse empilhamento de casas anônimas que a gente vive do lado de cá.