Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sobre arte, comunicação... e design.

Outro dia uma conversa com ele me levou a dizer o que eu entendo como arte e o que eu entendo como comunicação e a grande diferença entre os dois. Retomando:

acho que o ponto principal da arte é colocar pra fora. tirar de si e jogar no mundo. o que quer que seja, com a cara que saia, o que está em jogo é brotar algo, jorrar de si para o universo.

já na comunicação, o ponto principal é atingir alguém, é inscrever em alguém algo que se diga, é inserir no universo do outro uma questão que a princípio lhe é estrangeira.

pois bem, em ambos os casos lidamos com o clássico modelo emissor/meio/receptor. e a diferença gritante entre arte e comunicação é o foco. porque a arte tem seu foco no emissor, que tem algo pulsante dentro de si e quer, ou até mesmo precisa na maioria dos casos, colocar para fora. é o que chamamos de se expressar. a interpretação que os outros terão daquele objeto -- não necessariamente material -- é menos importante. quem quer que trave contato com uma obra de arte terá algum tipo de fruição, mas que tende a ser muito diferenciada entre os receptores. e o artista está ok com isso. porque ele não pretende dizer nada pra ninguém. o artista, da forma como eu entendo arte, pode até esperar que o público tenha algum tipo de experiência, mas não tem um objetivo específico em termos de "quero dizer isso, quero transmitir esse e aquele conceito, tal mensagem". assim como não precisa estar claro para quem vê o que foi que o artista tirou de si para produzir aquela obra, não é prioritário para o artista controlar o que vai entrar no universo daquele que interpreta sua obra.

já num processo de comunicação o foco é evidentemente no receptor. se eu quero dizer algo, quero dizer a alguém, e para isso, eu preciso pensar antes nesse alguém do que nesse algo. eu preciso averiguar se esse alguém terá as ferramentas para decodificar a linguagem da qual me aproprio e onde monto minha mensagem. eu preciso me assegurar de que a mensagem fique clara, e eu não me importo em ser redundante se isso for ampliar seu alcance. eu preciso me colocar no lugar do outro e estruturar meu discurso com base no que é acessível para ele.


de certa forma, esses extremos acabam sendo raros e o mais comum é encontrarmos híbridos, pontos intermediários. muitos considerados artistas querem sim dizer alguma coisa e nos processos de comunicação sempre há o gap emissor/receptor, que não é só o meio, é o abismo natural entre as pessoas. mas podemos então considerar as duas definições não como caixinhas pra que algo fique em um ou outro, mas como pontos extremos em um eixo, ao longo do qual se distribuem as mensagens. por maior o esforço que se faça em atingir o outro, na prática quase toda comunicação começa com a expressão de algo que vem de dentro de si.


e o design? muitos têm a obsessão -- tola, eu diria -- de enquadrar design em uma das duas caixinhas. se sentem até ofendidos quando encontram alguém que enquadra na outra. bom, eu acho que no mundo do design tem lugar pra tudo. pra ser mais ou menos expressivo, mais ou menos objetivo. o design no qual eu acredito e no qual invisto meu trabalho é o que se aproxima do extremo da comunicação, que foca no ser humano e em seu contexto para então projetar, que pretende ser claro e acessível para o usuário. mas há o designer que se coloca no projeto, que se expressa, que não é obvio. e aqueles que consomem os resultados desses processos o farão por que o objeto desperta neles algo, ecoa de alguma forma, mesmo que muito distante do que o designer tirou de si.