Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

te escrevo

nem sei porque te escrevo. te escrevo apenas.

naquele dia em que tomei fôlego para dizer-te o que sentia havia em mim uma esperança sincera de que botar para fora ajudaria a erradicar. havia a crença de que expor o segredo é enfraquecê-lo. não funcionou assim.

o que sinto por ti hoje é mais morno, mais brando, menos afobado. mas não é menor, pelo contrário. é suave e cômodo, aprendeu a conter-se, mas por isso mesmo é capaz de crescer sem que eu perceba, alimenta-se no escuro e ganha força, cria raízes no meu subterrâneo.

sem admitir, pouco a pouco deixo esse sentimento avançar e ganhar territórios no meu imaginário. finjo não notar e me engano que não sou eu mesma quem destranco as portas deixando que esse redemoinho me invada.

todos os dias te escrevo cartas e poemas. são canções que reverberam dentro de mim, melodias silenciosas que às vezes meus olhos entoam na tua direção e que não sei se és capaz de escutar.

te percebo cada movimento. vou te conhecendo, te desvendando, tenho impulsos de te cuidar. me dói às vezes não poder falar contigo sempre que tenho algo a te dizer e não poder regalar-te todos os tesouros que me lembram de ti. são tantas as frases que eu sublinho pensando em ler-te numa tarde de brisa quando repousarias a cabeça no meu colo, terias os olhos fechados para receber o sol e roçarias os pés descalços na grama. eu te leria todas essas maravilhas, te contaria histórias fantásticas e sonhos encantadores, te acariciaria os cabelos e beijaria teus cílios longos quase loiros, depois teus lábios gentis.

mas tudo isso é sonho, tudo isso não se pode, tudo isso eu tenho que engavetar em mim e esquecer e abafar. aconselharam-me a afastar-me de ti, mas parece que a vida só nos aproxima. ou seria eu que procuro artifícios para ter-te sempre por perto?

não sei mais como sentir tudo isso que sinto sem querer admitir. dizer-te em pessoa certamente soaria ridículo e vergonhoso, por isso, talvez, te escrevo. te escrevo porque já não cabe em mim.