Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

sábado, 6 de setembro de 2008

célibataires


o que fazem essas pessoas solteiras em seus apartamentos sombrios num sábado à noite? com seus gatos preguiçosos espalhando-se pelos travesseiros, com suas pilhas de livros empoeirando-se a cada metro quadrado, o mundo inteiro acontecendo lá fora independentemente de seus medos ou ambições, o que fazem essas pessoas sentadas sozinhas no escuro, com o rosto iluminado pela palidez da tela? como suportam o vento gelado e o silêncio arranhando a janela? 




morir de amor


só em música cubana


aqui fora a gente engole os devaneios, se recompõe e vai tocando


Um dia você será velho, incontestavelmente velho. Suas mãos serão flácidas, suas unhas serão espessas, muitos fios abandonarão sua cabeça abrindo uma clareira e os que restarem ao redor insistirão em serem brancos. Todas as partes do seu corpo serão o corpo de um velho, por dentro da camisa, por debaixo dos lençois, diante do espelho, os dedos, as pernas e a voz de um homem velho.
Ela então não terá deixado de admirar esse corpo e tudo aquilo dentro e ao redor dele e de ansiar pelo toque dessas mãos ressecadas, pela proximidade de seus labios, pelo conforto de seus braços longos. Ela não terá deixado de pensar em seu sorriso ao se deitar nem de pronunciar em silêncio seu nome ao acordar, antes mesmo de se localizar no tempo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

da responsabilidade social

O designer sabe o valor das coisas. Conhece os materiais, os processos, o valor da marca etc etc. Sabe a diferença entre o custo de produção e de venda. Sabe como produzir. Sabe ver as falhas da produção e os disparates do projeto (ou da falta de projeto) de um objeto. 

Todo designer é um consumidor consciente. Independentemente do quanto consome e do que consome, o designer sabe exatamente o que está comprando ou deixando de comprar e compreende todo o sitema abstrato construído ao redor desse ato. O designer vê o objeto nu justamente por ser capaz de identificar e decodificar as ilusões em que ele e o sistema a seu redor estão inseridos.

Isso se manifesta de forma diferente em cada designer. Nos concentremos portanto naqueles que optam por tornarem-se não-consumidores. Se alimentam, se vestem, vão ao cinema, compram livros etc. Mas o fazem de forma mínima e precisa, não excedem em nada em suas aquisições, não cedem a nenhum fetiche. Em geral porque o conhecimento sobre os processos e os valores, a nudez dos objetos tem sobre eles o efeito de perda do interesse sobre as coisas apenas como coisas. 

As coisas não bastam em si.

Mas se esses designers continuam alimentando um sistema de consumo cego e irresponsável, se ferramentam aqueles que darão continuidade àquilo que eles mesmos desmitificaram e recusam em sua vida pessoal, sua postura será incoerente e por isso reprovável. Ao dar-se conta do absurdo das montanhas de coisas e da crueldade da rotina do trabalho e do absurdo da produção pela produção, consumindo a vida do homem para alimentar um sistema inumano, desumano e cada vez mais autônomo, o designer assume a obrigação, como cidadão e profissional, de voltar-se contra esse sistema.

O designer é um revolucionário em potencial. A simples percepção desse mostra o caminho inevitável da contestação, da subversão, do desmascaramento do materialismo.


As pessoas são infelizes, depressivas, ansiosas, exaustas, frustradas, passivas, desorientadas. Vão à praia lotada aos domingos e de segunda a sexta marcham cinzentas aos balcões de serviço, às mesas de escritório, ao desespero das contas pra pagar, às filas do banco e do crediário, ao terror dos juros do crédito. Vendem toda sua vida, todo seu presente a esperar por um futuro que nunca chegará, a um momento de realização e compensação que não será desfrutado.

O vazio que nos habita e nos dirige a mais lojas de conveniências e trocas de eletrodomésticos, que povoa nossos sonhos de gadgets eletrônicos, que nos exaure na produção de algo para obter meios de adquirir algo - produzido na exploração de outrem - que nunca satisfará as expectativas; esse vazio deve ser combatido.

  
Qual o alcance do designer no combate a esse vazio além do seu espaço de atuação privado?