Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

sábado, 22 de maio de 2010

vez e outra se sentava pra escrever sobre o quanto desejava escrever um livro

vez e outra decidia que este vai ser o último cigarro e logo depois acendia outro.

vez e outra virava a noite inspirada por um projeto sobre o qual nunca voltava a falar.

vez e outra desligava o despertador e dormia mais uma, duas, três horas.

vez e outra se sentia pateticamente narcisista.

vez e outra não gostava muito de si, apesar de gostar muito da própria vida.

vez e outra se achava uma fraude.

vez e outra se sentia cansada de todo mundo e ainda assim incontrolavelmente carente.

vez e outra achava que talvez fosse melhor voltar a fazer terapia.

vez e outra comia uma barra inteira de chocolate.

vez e outra se sentia culpada por se sentir culpada.

vez e outra achava o mundo inteiro ridículo, absurdo e sem sentido.

vez e outra se perguntava se as plantas estavam tristes porque ela estava triste.

vez e outra seu corpo gritava o que ela mesma fingia não ver.

vez e outra assoava um rolo de papel inteiro em um dia.

vez e outra chorava de vergonha e desespero que na verdade eram simplesmente medo e ansiedade.


***

vez e outra achava tudo tão lindo que achava que ia explodir de tanta poesia imanifesta.

vez e outra flutuava de gratidão pelas pessoas, pelas histórias, pelas danças, pelos dias.

vez e outra trabalhava em alguma coisa obcessivamente e ficava tão satisfeita com o resultado que o sorriso era mais forte que a boca.

vez e outra só tinha certezas e o resto não era a hora de pensar.

vez e outra se olhava no espelho e era a menina mais bonita do mundo.

vez e outra era grata pelo simples (simples?) fato de sentir gratidão.

vez e outra tudo entrava nas proporções exatas pra se encaixar e formar um quadro perfeito.

vez e outra concordava plenamente com o que ouvia ou lia.

vez e outra fechava os olhos e se sentava aos pés de Deus.

vez e outra recebia uma cartinha ou um cartão ou um abraço ou um olhar transbordantes de amor.

vez e outra conseguia fazer o trabalho andar, mesmo com a sensação de não estar trabalhando.

vez e outra o mundo parecia um playground de tantas pessoas e lugares e coisas legais pra se conhecer.

vez e outra compartilhava com alguém o privilégio de um diálogo criativo musical, corporal, visual, poético, tudo-isso-junto-ou-qualquer-outro e guardava na lista de momentos que realmente valeram a pena.

vez e outra uma obra tocava algo tão profundo que seu coração se contorcia de prazer.

vez e outra era surpreendida por algo perfeito que ficava melhor.

***

vez e outra escrevia porque não saberia como não escrever

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um sonho que volta

Noite passada, o mesmo sonho de sempre. Não de sempre e nem exatamente o mesmo, mas um tema que se repete. O mesmo menino já há um ano, talvez mais. Estamos juntos, próximos, fazendo não sei bem o que. Conversando, acho. Nossos rostos se aproximam. Eu me surpreendo com a desconfiança de que algo no olhar dele mudou, de que algo a mais ele está querendo, quase pedindo. Então ele vem. Se aproxima mais e seus lábios tocam os meus. Dessa vez o sonho teve até trilha sonora, Finalmente cantada por Pedro Luiz e Ney Matogrosso, a canção que eu certamente elegeria como "nossa" se houvesse a oportunidade. Nos beijamos. É surpreendente, intenso, reconfortante, é o pote de ouro no fim do arco íris. Ele é lindo, lindo. Lindo. Então nos separamos, as bocas e os corpos. Perco ele de vista. Passo o resto do sonho me perguntando se o terei de novo e acordo com a mesma sensação. Para lembrar que nunca o tive.
Essa pessoa eu quase sei que só terei em sonho. Quase sei porque afinal, o que sabemos nós?
Mas espero, às vezes com mais, às vezes menos paciência, pelo dia do beijo da pessoa real que me fará sentir da mesma forma. Pelo dia de cantar Finalmente pra tudo aquilo que eu venho sonhando. Já se passou tanto tempo...