vez e outra virava a noite inspirada por um projeto sobre o qual nunca voltava a falar.
vez e outra desligava o despertador e dormia mais uma, duas, três horas.
vez e outra se sentia pateticamente narcisista.
vez e outra não gostava muito de si, apesar de gostar muito da própria vida.
vez e outra se achava uma fraude.
vez e outra se sentia cansada de todo mundo e ainda assim incontrolavelmente carente.
vez e outra achava que talvez fosse melhor voltar a fazer terapia.
vez e outra comia uma barra inteira de chocolate.
vez e outra se sentia culpada por se sentir culpada.
vez e outra achava o mundo inteiro ridículo, absurdo e sem sentido.
vez e outra se perguntava se as plantas estavam tristes porque ela estava triste.
vez e outra seu corpo gritava o que ela mesma fingia não ver.
vez e outra assoava um rolo de papel inteiro em um dia.
vez e outra chorava de vergonha e desespero que na verdade eram simplesmente medo e ansiedade.
***
vez e outra achava tudo tão lindo que achava que ia explodir de tanta poesia imanifesta.
vez e outra flutuava de gratidão pelas pessoas, pelas histórias, pelas danças, pelos dias.
vez e outra trabalhava em alguma coisa obcessivamente e ficava tão satisfeita com o resultado que o sorriso era mais forte que a boca.
vez e outra só tinha certezas e o resto não era a hora de pensar.
vez e outra se olhava no espelho e era a menina mais bonita do mundo.
vez e outra era grata pelo simples (simples?) fato de sentir gratidão.
vez e outra tudo entrava nas proporções exatas pra se encaixar e formar um quadro perfeito.
vez e outra concordava plenamente com o que ouvia ou lia.
vez e outra fechava os olhos e se sentava aos pés de Deus.
vez e outra recebia uma cartinha ou um cartão ou um abraço ou um olhar transbordantes de amor.
vez e outra conseguia fazer o trabalho andar, mesmo com a sensação de não estar trabalhando.
vez e outra o mundo parecia um playground de tantas pessoas e lugares e coisas legais pra se conhecer.
vez e outra compartilhava com alguém o privilégio de um diálogo criativo musical, corporal, visual, poético, tudo-isso-junto-ou-qualquer-outro e guardava na lista de momentos que realmente valeram a pena.
vez e outra uma obra tocava algo tão profundo que seu coração se contorcia de prazer.
vez e outra era surpreendida por algo perfeito que ficava melhor.
***
vez e outra escrevia porque não saberia como não escrever