Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

domingo, 4 de outubro de 2009

a luz e a sombra

ando distante desse espaço, distante de muitas coisas na verdade. ultimamente sequer tenho ligado meu computador em casa, só o mínimo necessário para fazer uma consulta ou executar um trabalho. não tenho feito muitas das coisas que costumava fazer, a grande maioria dos meus hábitos vêm mudando drasticamente.
que mudanças foram essas?, perguntará o leitor desconhecido, caso exista. mudanças no ritmo, uma desaceleração em todas as coisas, um despreocupar-se com o que não está acontecendo ainda, um desembaraço no que antes era uma confusão de planos, medos, precauções, ansiedades, expectativas. causa e efeito disso, mudanças na alimentação, nos horários, nos ambientes e companhias frequentados.
é interessante que só se vê o drástico se forem comparadas as rotinas de hoje com 1 ano atrás. na realidade, a grande maioria das mudanças foi gradual. e o curioso é que o que hoje me parece uma pulada de cerca, um sair da linha, relaxar um pouco, naquela época já seria um esforço em direção do considerado saudável.
quando eu me voltei para a vida espiritual, foi algo que veio quase sem que eu me desse conta. achei que deixar de comer carne e começar a praticar yoga eram grandes transformações. de fato foram grandes e tiveram impacto significativo, mas muito pequenas se comparadas às que vieram a seguir. ainda menores se comparadas às que virão. porque o fato com o qual às vezes me deparo é que essas primeiras mudanças só fizeram acender a luz e agora eu vejo o quão longo é o caminho e que na realidade ao mesmo tempo em que se ganha fôlego, se tornam maiores os obstáculos.
quando eu comecei, era uma vontade que surgiu espontânea, uma curiosidade que me levava ao centro de yoga, um interesse pelas tradições, pelos ensinamentos. quando me dei conta estava ali, e mesmo sem entender muito bem o que se passava, sentia vontade de dedicar mais, de investir mais do meu tempo, meu coração e minha mente foram se abrindo e de repente uma parte considerável de mim se alimentava de tudo aquilo. muito do que eu ainda fazia era incompatível com o que se ensinava ali, mas talvez tenha sido isso que me permitiu aprender certos aspectos, através do olhar crítico sobre as situações em que eu mesma me colocava. ainda hoje é assim, o que muda é que o olhar se tornou mais aguçado e atento a aspectos mais sutis dos meus próprios comportamentos.
hoje percebo que existe uma linha tênue, um equilíbrio fino e difícil de manter, que permite conciliar a vida espiritual e o mundo, a vida no mundo. foi muito natural mudar tudo isso que eu mudei, nada foi planejado, a princípio sequer os objetivos estavam claros. simplesmente com o tempo fui deixando de pensar certas coisas, fui deixando de ter certos desejos, fui abandonando certos hábitos.
mas às vezes certas coisas me voltam. algumas preocupações com o futuro profissional, algumas ansiedades sobre o aproveitar a vida, alguns desejos de ir a muitos lugares, de viajar e viajar. às vezes o tempo é curto para conciliar todos os deveres com a prática e me pergunto se minhas prioridades estão sendo sábias ou levianas. às vezes me dá muita preguiça de tudo, inclusive das prática espirituais. me dá preguiça de acordar de manhã cedo para praticar, me dá preguiça de praticar antes de dormir, me dá preguiça durante a prática. e essa preguiça me traz culpa, assim como alguns desvios no caminho também. e o próprio sentimento da culpa é ambíguo, porque ao mesmo tempo que reconheço nele a parcela de mim que compreende os ensinamentos e que me cobra respeitá-los (o que não é mais do que respeitar-me a mim mesma), reconheço também nessa culpa que ainda não estou agindo por inteiro, que muitas das mudanças ainda não se completaram, ainda não se tornaram naturais. e às vezes me voltam os receios sobre a maneira como venho conduzindo a vida. porque tudo que venho fazendo me faz muito bem, sem dúvidas me sinto muito melhor hoje do que há alguns meses. mas não consigo evitar que às vezes me venha a dúvida sobre o futuro, sobre a possibilidade de em algum momento olhar para trás e julgar que toda essa comoção espiritual me fez negligenciar outros aspectos que então me parecerão mais importantes.
então quando me vêm todos esses sentimentos e pensamentos confusos, eu me repito algumas coisas. em primeiro lugar repito meu mantra, que sempre me leva mais próxima a essa energia dos mestres, que traz muita paz. em seguida penso que tudo que venho fazendo é ser sincera em relação ao que me faz bem hoje. porque uma coisa que eu aprendi é a ouvir a voz lá dentro, e respeitar essa voz. e aprendi também que se às vezes eu me arrependo de alguma ação, ou vacilo em alguma decisão, é porque a decisão ainda não foi tomada por completo, porque quando ela é definitiva, eu sei respeitá-la. e por fim eu peço ao Eterno que me dê discernimento e desapego para transformar a realização do ser no meu maior objetivo, no meu único desejo. porque quando todos os outros desejos forem controlados e vencidos até que se dissipem e não houverem mais objetos em que a mente possa se ancorar e sentir falta, não haverá mais conflitos, não haverá mais dor, haverá clareza na tomada de decisões e, por mais que continuem havendo obstáculos, os passos serão longos e determinados, seguindo reto em direção à luz.