Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre esse tipo de homem que sempre leva uma caneta consigo



Foi outro dia, na verdade de noite, em Santa Teresa, que eu reparei. Tava um amigo meu conversando com um cara e eu do lado, fingindo que tava escutando, mas viajando longe. Aí notei que o amigo do meu amigo tinha uma caneta (de desenho, pela tampa) na camisa, pendurada na gola. Achei curioso. Depois achei simpático. Depois entrei numa onda de que comecei a achar sexy. Aí ficou interessante.

Nunca tinha me dado conta, mas eu sempre reparo em quem tem caneta presa na camisa. Posso dizer cada um dos meus professores se usam caneta ou lapiseira, onde guardam, alguns eu posso até descrever a Lamy de estimação. Sei dos que têm tiques com a tampa da caneta, dos que rodam a caneta nos dedos. E se for pensar bem, nao deve ser uma coisa tão comum assim, reparar nas canetas dos outros.

Mas olha que coisa interessante, você ser do tipo de pessoa que se preocupa em sempre ter uma caneta a mão. Sair sem a caneta é pior que esquecer o relógio. Pra uma pessoa dessas, é ficar mudo, porque a caneta muitas vezes é a maneira como essa pessoa fala. E irão dizer ah, claro, são professores de uma escola de design, são designers, designers se expressam visualmente, desenham o tempo todo. Mas não apenas!

Pense em todos os homens alinhados nos clássicos cinematográficos, com suas belas e caras canetas de luxo sempre à vista no bolso. A caneta nesses casos é um símbolo de muitas coisas, de importância, de que aquele homem escreve, e que o que ele escreve tem grande valor. E de fato, muitas vezes esse homem só tira a tampa da caneta para assinar o nome, mas essa assinatura vale fortunas, vale a fábrica de canetas. Mas há que se pensar o porque a caneta é símbolo. Não é só por causa do valor da assinatura no contrato ou no cheque.

A caneta é, de novo, o símbolo de que aquele homem escreve. E que o que ele escreve tem grande valor. Mas primeiramente não pelo onde é escrito nem por quem é esse homem, mas pelo valor da palavra escrita. Que, na prática, se mostra na importância da representação gráfica espontânea para a comunicação tête-a-tête e para a credibilidade dos documentos. Friso espontânea pra lembrar que a boa da caneta é estar à mão a qualquer momento, em qualquer lugar, como uma extensão de si acessível sempre que necessária.

Há quanto tempo "todas as pessoas" escrevem? Há quanto tempo a alfabetização é direito de todo indivíduo e dever de todo Estado? Há quanto tempo existe tecnologia para que um instrumento de escrita manual com tinta permanente possa ser carregado no bolso? Que disseminação e agilidade isso confere aos processos, que dinâmica isso confere às relações?

Assinar um cheque, escrever no diário, anotar o telefone pra mandar pelo garçom, rabiscar garatujas, improvisar um mapa, dedicar um livro, deixar um bilhete. Há quanto tempo fazemos essas coisas?

Excelente objeto de estudo, a caneta. Um projeto de etnografia da sociedade pós-moderna. Proposta interessante mesmo.

Agora dá pra voltar e entender porque eu achei interessante o cara ter uma caneta? É reconhecer nele esse homem moderno, esse animal urbano apaixonante que é o homem moderno que me atrai.




Eu ando pra cima e pra baixo com um bloquinho de anotações e uma caneta na bolsa. Antes era uma lapiseira, mas eu descobri que caneta esferográfica boa deixa a mão correr mais rápido.

Mas acho que quando estiver mais barato eu vou trocar a caneta e o bloquinho por um palm, um blackberry ou o que o valha. E tomara que um dia eu possa pensar nas coisas e elas aparecerem numa tela portátil, sejam cores e formas ou verborragia, como agora. Mas sabe lá o quanto essas representações digitais serão diferentes da coisa tosca do desenho manual. E sabe lá o quanto isso tudo causa de diferenças no nosso pensar.

O que eu sei é que a caneta na camisa vai ser o charme de pouquíssimos. E vai simbolizar alguma outra coisa.


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