Há algumas semanas comecei a trabalhar numa parada que eu sempre quis. É genial, finalmente colocar a mão na massa pra fazer uma coisa que você passou anos lendo a respeito. É quase uma lua-de-mel não fosse...
não fossem um monte de sustos que eu vou levando a cada tarde.
Primeiro baque: o ritmo. Muito mais rápido do que eu esperava. O cronograma do que estamos fazendo na empresa faz o cronograma de qualquer projeto da faculdade parecer uma piada. Mas depois de 6 anos trabalhando no ritmo faculdade pública brasileira, quem disse que eu acompanho? Já saí do trabalho vários dias me sentindo uma lesma, que não dei conta do que devia...
Segundo choque: a (in)competência. Eu estudo design. Há 4 anos. Designers sabem se expressar visualmente. Eu devia saber me expressar visualmente. Aí me pedem pra transformar os relatórios de pesquisa em visualizações e eu travo. E voltando pra casa frustrada de novo, tento pensar o que eu já fiz na faculdade que seria similar. E a conclusão é no mínimo preocupante, senão vergonhosa: nada. Nunca precisei fazer nada assim em nenhum projeto da faculdade.
Terceiro balde de água fria: a responsabilidade. Acho que nunca na faculdade eu senti o meu na reta tanto quanto eu sinto quando tenho que cumprir uma tarefa no trabalho. E me pergunto porque, já que eu já tive trabalhos cabeludos pra entregar, já tive que virar noite e tudo o mais. Mas sabe o que? na faculdade você tem várias chances. Se for mal nesse trabalho vai ter outro. Se for mal em todos os trabalhos, o professor é fanfa e vai te passar com uma nota mais ou menos. Se na pior das hipóteses, o professor não for fanfa, ou você conseguir ser mais fanfa que ele pra ele te reprovar... ano que vem você faz a matéria de novo! Mas vai pedir pro seu chefe pra fazer de novo?
E outros sustos vão aparecendo. Meu mantra pessoal está virando "respira, você vai pegar o jeito". Espero pegar mesmo, e que seja logo.
Não estou dizendo que não goste do trabalho, muito pelo contrário. Estou amando. Em poucos dias estou aprendendo uma cara de coisas que eu achava que sabia e na verdade não tinha idéia. Ouvir falar, ler a respeito, comentar no boteco, até escrever a respeito de algo não se compara a fazer na prática. É até idiota chegar a essa conclusão, mas taí, estou passando por isso e fiquei surpresa. Caloura? É muito estranho se sentir caloura quando eu finalmente estava me sentindo A veterana.
Falando assim parece que a faculdade é uma pegadinha, né? Perdi as contas de quantas vezes essa semana tive vontade de trancar a faculdade, de chutar o balde e reprovar alguma matéria, de aumentar minha carga horária no trabalho, porque é lá que eu estou aprendendo mesmo. Mas aí, peralá, não é possível que esse tempo todo de faculdade não tenha servido pra nada.
Estranhamente, eu tenho certeza de que serviu pra alguma coisa. So far, minha conclusão é que eu não aprendi quase nada do que eu preciso para estar nessa empresa. Mas eu aprendi muito do que era preciso para entrar para essa empresa. Para saber que essa empresa existe e me interessar por ela e querer trabalhar lá. E para quererem que eu trabalhasse lá, claro. Na real, grande parte desse conhecimento veio de uma curiosidade própria, de horas na internet lendo sobre coisas que me interessam. Mas esse interesse não brotou sozinho, e aí eu tenho que confessar que foi despertado de coisas que eu conheci na faculdade ou através dela.
Minha mãe costumava me dizer, quando eu estava fazendo vestibular, que a faculdade é uma grande bibliografia. Que mulher sábia, a minha mãe. Eu devia escrever mais sobre ela. É exatamente pra isso que serve a faculdade, pra pegar referências, pra abrir portas e janelas, pro mundo e pra dentro de você. São os caras que estão na bibliografia de um ou outro professor que se presta a dar a bibliografia, uma ou outra palestra que você assiste no primeiro ano, mesmo se ainda calouro perdidão, mas que te faz a cabeça, um ou outro papo no CA, uma ou outra viagem com a galera, um ou outro encontro de estudantes, uma ou outra pessoa que você conhece no corredor... Em aula mesmo, sinceramente... aprendi alguma coisa, sim, mas olha, foi pouco.
Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]
"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"
Sê tu mesmo"
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3 comentários:
Eu já falei, vou repetir: faculdade não é preparação profissional. E nem deveria ser. Faculdade é preparação científica. Outra coisa completamente diferente.
Eu fiz Escola Técnica, e vou dizer: Escola Técnica não é preparação profissional. Quer preparação profissional? Senai/Senac. Esses caras sabem o que fazem. No entanto, vc quer preparação profissional?
Faz muito mais sentido aprender uma profissão com profissionais do que com professores. É tão óbvio que parece que eu tô mudando de assunto. Se faculdade algum dia foi pensado como sendo preparação profissional, esse foi um pensamento idiota.
Acontece que, embora muita gente ache que é, que faculdade serve pra "começar uma carreira", no fim das contas isso nunca fez parte do lema oficial da coisa. Ensino, Pesquisa, Extensão: em que parte fica "profissão" ou "mercado de trabalho"? Em parte nenhuma.
Não que a faculdade não sirva pra nada. Pelo contrário, faculdade é uma coisa ótima, mas pra outras coisas. É feito pra colocar minhocas nas cabeças das pessoas, pra fazer elas lerem, pra fazer elas terem idéias próprias. Infelizmente, e em grande parte por causa dessa ideologia furada de que faculdade é preparação profissional, hoje essa função da facu fica relegada à pós-graduação. Daí a qualidade da pesquisa é ruim e ninguém desconfia o porquê.
Se a razão do post era "me convençam de que eu não devo largar a faculdade", na real, sei lá, larga aê. Eu boto muita fé. Se fazer o que você está fazendo no trampo é tudo o que você quer da vida, de verdade, acho que faria mais sentido você largar a facu e se concentrar total lá.
Mas, assim, pra mim, pessoalmente, uma das coisas que a facu serviu foi pra eu descobrir que eu não quero "uma profissão" pro resto da minha vida.
(E claro que essa é uma outra longa história, mas acho que você imagina pra que lado ela iria...)
Essa premissa de que academia é um degrau natural antes de se ingressar numa profissão me parece tão imbecil que eu fico até bravo...
bj, marcio
acontece que a grande maioria das aulas que eu tenho (e meus amigos e os amigos deles) não andam colocando minhocas nas cabeças das pessoas, nem fazendo elas lerem, talvez terem idéias próprias, mas assim, bem por baixo...
pesquisa e extensão? mais pegadinha ainda!
e eu não estudo em qualquer lugar. acho que o lugar ficou pra trás, o modelo ficou pra trás. minhas conversas com vc durante 1 semana deixaram muito mais minhocas na cabeça do que qualquer disciplina que eu tenha cursado. estranho, né?
comentário simples: estágio é O lugar para tomar susto. e não é para se sentir mal com isso.
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