Krishna em O Mahabharata [trad. Jean-Claude Carrière]

"Resiste ao que resiste em ti.
Sê tu mesmo"

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O que é e o que não é design

Poucos estudantes de design em são consciência se proporiam a redigir definições desse tipo, tal a repulsa que nos causaram os anos de discussão aparentemente infrutífera desse tema. Mas na primeira aula de uma disciplina do quarto ano da esdi um professor passou o seguinte dever de casa: definir o que é design e selecionar 5 imagens de objetos que não sejam design, justificando. Gostei do exercício, segue o resultado:

O que é design

Design, no meu entendimento, é uma maneira de pensar sistemas, estruturas e processos de modo a otimizar os recursos disponíveis, a partir de requisitos previamente determinados, para projetar algo que será utilizado num momento futuro por alguém(ns) e para algum fim. É de competência do designer considerar todos esses fatores: os recursos disponíveis, os requisitos pré-determinados, aquilo que resultará do projeto, o sujeito para quem se projeta e a finalidade para a qual se projeta.

Mas essa definição, bastante ampla, não basta sozinha. É necessário acrescentar que o design, como profissão, surge num determinado momento histórico – pós revolução industrial –, e que seu surgimento está atrelado às condições políticas e econômicas da época, ou seja, que o design surge como atividade profissional no contexto da ideologia industrializante burguesa, uma ideologia progressista que confia na ciência e na técnica e que valoriza o método, o planejamento e a razão (SOUZA, 2008).

Querer chamar de design o resultado de qualquer atividade anterior ao surgimento do design como profissão nos induziria ao erro de considerar design qualquer atividade de projetar, planejar, configurar, esquematizar ou arquitetar algo. Isso é um dos sentidos da palavra design, que é verbo e substantivo na língua inglesa e pode ser empregada livremente como qualquer outra palavra, mas não é suficiente para definir uma profissão.

Também é importante fazer a ressalva de que o resultado do trabalho do designer não é necessariamente o produto em si, mas sim o projeto, ou seja, instruções (em geral representadas graficamente) para a realização de algo. O designer pode ser ele mesmo o executor em determinados casos, mas o projeto de um designer em geral é concretizado por outro personagem da mesma forma que o briefing (a "encomenda" do trabalho) normalmente é dado por uma instituição ou pessoa que contrata o designer para a realização do projeto. Ou seja, o designer é um profissional que atua na cadeia de produção entre quem decide que determinada coisa será produzida e quem realmente produz.

O que não é design

O que se segue são alguns exemplos de coisas que não podem ser consideradas design a partir da definição acima, não esgotando de forma alguma a vasta gama de respostas possíveis a essa proposta.

Moai

Os Moai, esculturas da Ilha de Páscoa, não podem de modo algum ser consideradas design. Não se sabe ao certo qual seu sentido para o povo que os construiu, mas certamente isso se deu com alguma intenção mágica ou espiritual, coerente com uma visão de mundo completamente diferente daquela que caracteriza a produção industrial. Não se poderia portanto sequer falar de função para tais objetos, nem de valor estético como se diz comumente dos objetos de arte. Esculturas como essas, que carregam simbologias mitológicas são entendidas pelos povos que as construíram muitas vezes como entidades vivas ou manifestações de entidades, ou seja, a relação desses indivíduos com tais objetos é completamente diferente da relação do ocidental moderno com quaisquer outros objetos, porque provém de outro entendimento da realidade.


Objeto de arte

Uma escultura está mais próxima de uma performance corporal ou musical que de um objeto de design. Para o senso comum, os objetos de arte não têm nenhum objetivo funcional e são expressões de conceitos subjetivos significativos para o autor, que muitas vezes sequer está preocupado em comunicar uma mensagem ou conceito determinado. Mesmo que haja um “encomendante” da obra, sua relação com o artista é muito diferente da relação do cliente com o designer, já que o artista em geral tem liberdade total de criação. A principal diferença entre o objeto de arte e o de design talvez seja o fato de que na arte o artista faz o que quer e o público pode “gostar” ou não da experiência que aquela obra lhe causa, enquanto no design há uma preocupação com a adequação daquele objeto não só aos recursos disponíveis e requisitos a serem atendidos, como também à capacidade de aceitação por determinado público e eficácia em executar determinada tarefa. Além disso, mesmo que o artista planeje o objeto que vai produzir, esse projeto pode ser alterado a qualquer momento, já que na maioria dos casos é o próprio que executará a obra.


Objeto de artesanato

O artesanato popular tradicional é às vezes um caso muito semelhante à arte, com a diferença que os objetos artesanais não possuem o mesmo status por questões mais políticas que qualquer outra coisa. Justamente por não ter o mesmo status, o objeto de artesanato é vendido a valores muito mais baixos que os objetos de arte. Assim, o artesão tem que vender uma quantidade muito maior de objetos que o artista, por isso, quando um objeto tem boa aceitação pelo público, o artesão procura reproduzi-lo. Entretanto, cada peça é feita individualmente, e o artesão pode improvisar se errar ou introduzir modificações a cada peça, ou seja, mesmo que várias peças parecidas sejam produzidas, grande parte da criação se dá no momento de feitura do objeto, ao contrário do objeto de design, para a produção do qual são necessárias instruções precisas.


Brasão de família

Um brasão de família pode se assemelhar ao conceito moderno de identidade visual, mas difere em muitos aspectos. Enquanto um projeto de identidade visual determina regras precisas de reprodução e aplicação, um brasão é, antes de mais nada, uma representação iconográfica de determinado grupo (família, Estado etc). Ou seja, mais importante que a “fidelidade” às cores e traços do desenho original é a presença de determinados signos e a capacidade do público de decodificá-los e reconhecer os conceitos que simbolizam.


Ideograma oriental

Os ideogramas orientais também são símbolos que poderiam ser confundidos com logotipos, mas são completamente diferentes, principalmente sob o ponto de vista dos povos que os criaram e utilizam. Para eles um ideograma não é simplesmente a representação convencionada de um conceito. Mais que isso, o ideograma é o próprio conceito, não havendo separação entre forma e conteúdo. Um ideograma é a versão (mais que a representação) visual de determinado som, que por sua vez é ele mesmo o conceito.



referências bibliográficas: Souza, Pedro Luiz Pereira de. O design à margem da razão. 2008 > quem quiser ler o texto me escreve que eu envio!

4 comentários:

Rafael Bucker disse...

"Mesmo que haja um 'encomendante' da obra, sua relação com o artista é muito diferente da relação do cliente com o designer, já que o artista EM GERAL tem liberdade total de criação."

A diferença entre design e arte é gigante e ao mesmo tempo sutil. Eu sempre me pego pensando: design faz assim e arte faz assado... nunca dá certo. Esse 'EM GERAL' se faz sempre necessário.

A arte é por excelência uma tentativa de contestação. Boa parte dos artistas tem por objetivo romper barreiras, questionar limites, buscar novas relações, etc. Por conta desse amorfismo da arte, ela acaba por muitas vezes tangenciar o design. Principalmente a arte contemporânea (que é o samba do crioulo crazy!).

Um exemplo é a essa nova vertente da arte contemporânea, que normalmente se justifica por uma proposta muito específica (quase um briefing de design)...

Estou dizendo isso tudo só pra ressaltar a necessidade de, sempre que formos fazer essa diferenciação, usarmos esse 'EM GERAL' que você usou sabiamente. Nunca vamos chegar a um único elemento diferenciador entre arte e design. A diferença se dá por um somatório de fatores que ainda não sei bem dizer quais são...

Vou pensar sobre isso.

bjs!!!

Clarice disse...

pois é, o em geral foi fundamental. o que eu percebi escrevendo esse texto é que é muito fácil falar do geral, mas quando se trata de citar exemplos específicos, colocar a foto, dizer o nome, é beeem mais complicado...

Renato Costa disse...

Oi! Gostaria do texto do Pedrão! Ele está publicado em algum lugar?

Vagner Gimenes disse...

Olá Clarice. gostei muito do seu texto, poderia mandar pra mim o texto do Pedro? adoraria ler mais sobre.

e-mail: vfgimenes@unipar.br

um abraço!

Vagner